Amor que Vai Além
Peter Amsterdam
Nos Evangelhos, Jesus cita dois mandamentos do Antigo Testamento. O primeiro é do Livro de Deuteronômio: “Amarás o SENHOR teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de toda a tua força.”[1] O segundo é do Livro de Levítico: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”[2]
Para os judeus, “o próximo” era outro judeu. Um estudioso explica: No judaísmo, o próximo de alguém era uma pessoa com um pensamento religioso similar, não alguém que fosse oposto ou hostil. … Em alguns movimentos do judaísmo, o mandamento era justamente o oposto, como revelaram as descobertas dos manuscritos em Qumran: o certo era odiar os adversários religiosos.[3]
O fato de os judeus terem diferentes interpretações das Escrituras pode ajudar a explicar por que, no Evangelho segundo Mateus, Jesus faz referência a um dizer que não se encontra nas Escrituras:
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus.[4]
No Evangelho segundo Lucas, Jesus expande o conceito de amar os inimigos, exemplificando maneiras como Seus seguidores podem implantar esse amor. Ele diz que o amor que Seus seguidores demonstram pelos outros deve estar acima da forma como as outras pessoas amam. Jesus diz: “Mas a vós, que me ouvis, digo: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos aborrecem, bendizei os que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam.”[5]
Há algumas referências no Antigo Testamento sobre fazer o bem aos inimigos.[6] Enquanto alguns versículos no Antigo Testamento aqui citados instruíam os crentes a serem bons com seus inimigos, os ensinamentos de Jesus vão muitíssimo além, pois exortam Seus seguidores a amar e perdoar.
Ele também praticou o que pregava, como se percebe pelas palavras que disse quando estava crucificado: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem.”[7] Seus seguidores também praticaram esses mandamentos. Estevão, o primeiro mártir, durante seu apedrejamento, clamou: “Senhor, não lhes imputes este pecado.”[8] O apóstolo Pedro escreveu: Não pagueis mal por mal, nem injúria por injúria. Pelo contrário, bendizei, porque para isso fostes chamados, a fim de receberdes bênção por herança.[9]
Após expressar o princípio geral de amar os inimigos, Jesus foi mais específico: “Façam o bem aos que os odeiam.”[10] Ele está chamando Seus seguidores não apenas para amarem seus inimigos em princípio ou de alguma forma passiva, mas para lhes mostrar amor por meio de ações.
Jesus disse para “bendizer os que vos maldizem,”[11] ou seja, os que desferem contra nós ataques verbais na forma de insultos, humilhações ou abuso verbal. É natural pagar na mesma moeda, mas Jesus ensinou Seus discípulos a quebrarem o círculo de ira e ódio e abençoarem os que os maldizem.
Apesar de que às vezes o certo é responder à altura os que nos atacam verbalmente, as Escrituras nos ensinam a fazê-lo com sabedoria e amor. “Quando somos amaldiçoados, abençoamos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, respondemos amavelmente.”[12]
Ele também disse, “orem por aqueles que os maltratam”.[13] Outras traduções preferem “aqueles que vos caluniam ou vos injuriam”. A exortação de Jesus aos discípulos para orarem pelas pessoas que os tratam mal representa uma forma sobrenatural de amor que reflete o amor de Deus pela humanidade. Obviamente, Jesus não estava ensinando que devemos continuamente tolerar esses maus tratos.
Depois de dizer aos discípulos para amarem Seus inimigos, fazerem o bem aos que os odiavam e amaldiçoavam, e para orarem por aqueles que os maltratavam, insultavam e os ameaçavam, Jesus então ofereceu quatro ilustrações de amor pelos outros, mesmo quando isso machuca e onera aquele que age com amor. A primeira é: “Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra.[14] Em parte, amar é não buscar vingança pelas ofensas e insultos recebidos. Em vez de revidar, o discípulo se dispõe a quebrar o ciclo de retaliação.
A segunda parte do versículo 29 é um pouco semelhante à primeira: “Ao que tirar a tua capa, deixe que leve também a túnica. Jesus ensina a não retaliar nem buscar revanche, mas a amar o inimigo a ponto de preferir sofrer a perda a retaliar.
Jesus prossegue, “Dá a qualquer que te pedir.”[15] Outras traduções oferecem a seguinte versão: “Dê a todo aquele que lhe pedir”, o que me parece uma interpretação melhor. Ele destacou que amar é, em parte, estar pronto para ajudar os que precisam sem preconceitos, pois, ensinou Jesus, devemos ajudar a todos que pedirem ajuda.
A quarta ilustração que Jesus oferece para explicar o amor é: “Ao que tomar o que é teu, não o peças de volta.”[16] Nesse ponto, Jesus diz aos discípulos para não buscarem reparações pelos males que lhes foram feitos.
Depois de ensinar os discípulos o princípio de amar ao inimigo, dando exemplo de como se conduzir para colocá-lo em prática, Jesus acrescentou: “Como vós quereis que os homens vos façam, da mesma maneira fazei-lhes vós também.”[17]
Outros antigos escritos judeus ensinam o mesmo conceito: “Não faças ao teu próximo o que te for por abominação, pois isso é toda a Torá. Aquilo que odeias, não o faças a ninguém. Ninguém deve fazer ao seu próximo aquilo que ele próprio não quer para si.”
Apesar de serem similares ao que disse Jesus, esses dizeres ensinam a evitar tratar os outros de forma injusta ou como não quer se tratado. Um comentarista escreveu sobre a forma como Jesus Se expressou neste contexto: Não é uma mera ordem para evitar tratar os outros como não quer ser tratado. É uma ordem para tratar os demais com a mesma consideração que quer receber dos outros.[18]
Jesus usou três exemplos para mostrar como o amor que Ele esperava de Seus discípulos devia ultrapassar as normas típicas do amor. Cada ilustração do amor começa perguntando o que há de tão especial em Seus discípulos fazerem coisas que qualquer um, até mesmo os pecadores, fariam para demonstrar amor. Ele então os desafia a ir bem além.
“Se amardes os que vos amam, que recompensa tereis? Até os pecadores amam os que os amam.[19] Jesus esclarece que é comum amarmos quem nos ama. É o comportamento normal e natural. Contudo, estava exortando Seus discípulos a irem além.
O princípio proposto por Jesus, entretanto, é amar não apenas os que o amam, mas amar inclusive os que o odeiam, os que o roubam os que o amaldiçoam e o maltratam. Ele levantou a régua do amor para além do que é normal no mundo.
“Se fizerdes o bem aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis? Até os pecadores fazem o mesmo.”[20] E mais uma vez, Jesus destaca que o amor que faz o bem apenas aos que oferecem reciprocidade não é diferente daquilo que a maioria faz. O chamado de Jesus é para exercitar um amor que supera o amor e a bondade natural que existe entre as pessoas. Isso é extraordinário.
“Amai os vossos inimigos, fazei o bem, emprestai, sem nada esperardes. Então será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo, porque ele é benigno até para com os ingratos e maus.[21] O comportamento amoroso que Ele descreve é evidência de que a pessoa é uma filha de Deus.
Jesus termina este segmento de Seus ensinamentos, dizendo aos Seus seguidores que devem imitar o Pai em Sua misericórdia. “Sede misericordiosos, assim como o vosso Pai é misericordioso.”[22]
Jesus chamou os discípulos para irem além do pensamento padrão, da ética e das ações do povo judeu da época que determinava limites quanto a quem é seu próximo, limitando assim a necessidade de amor da outra pessoa. O chamado para os discípulos em todas as eras sempre foi amar de maneira fora do comum, de maneiras difíceis, no entanto muito melhores.
O amor que Ele proclama é aquele que nós, que fomos perdoados pelos nossos pecados, devemos ter como base de vida. — Um amor gentil, generoso, sacrificado, que tem misericórdia e perdoa.
Publicado originalmente em junho de 2018. Adaptado e republicado em setembro de 2020.
[1] Deuteronômio 6:5. Todos os versículos são da versão RC.
[2] Levítico 19:18.
[3] Darrell L. Bock, Lucas Volume 1: 1:1–9:50 (Grand Rapids: Baker Academic, 1994), 588.
[4] Mateus 5:43–45.
[5] Lucas 6:27–28.
[6] Ver Êxodo 23:4–5; Provérbios 24:17–18, 25:21–22.
[7] Lucas 23:34.
[8] Atos 7:60.
[9] 1 Pedro 3:9.
[10] Lucas 6:27.
[11] Lucas 6:28.
[12] 1 Coríntios 4:12–13.
[13] Lucas 6:28.
[14] Lucas 6:29.
[15] Lucas 6:30.
[16] Lucas 6:30.
[17] Lucas 6:31.
[18] Bock, Luke Volume 1: 1:1–9:50, 596.
[19] Lucas 6:32.
[20] Lucas 6:33.
[21] Lucas 6:35.
[22] Lucas 6:36.
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