Um Farol no Nevoeiro
David Bolick
O outro dia li um texto do rabino Evan Moffic que fez muito sentido. Ele dizia no último parágrafo:
O filósofo Soren Kierkegaard certa vez disse que “a vida é vivida em perspectiva e entendida em retrospectiva”. Nós temos o poder para entender em retrospectiva. Não podemos mudar o passado, mas podemos mudar o seu significado para nós. O que decidimos lembrar ajuda a nos moldar para o futuro.[1]
Um bom exemplo disso foi José, no Antigo Testamento. Ele disse para os irmãos, “Vocês planejaram o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem, para que hoje fosse preservada a vida de muitos.”[2]
Já percebi, como o rabino Moffic, a minha tendência a memória seletiva. É como se todas as coisas ruins fossem selecionadas por meio de um filtro, e mesmo que passassem pelo crivo, fossem relegadas a uma posição de menor importância. Não é uma decisão consciente, apenas uma reação automática derivada da convicção de Romanos 8:28[3]—uma das muitas vantagens que tem aquele que pertence ao Senhor.
Mas certas situações exigem um esforço para serem colocadas em uma perspectiva positiva, principalmente quando percebo que a minha memória está enveredando pelo lado escuro e redirecionando meus pensamentos. Sendo assim, mesmo não tendo nada de bom na lembrança, eu crio algo positivo deliberadamente, dou uma colher de chá à pessoa ou à situação que me incomoda, ou enfatizo o pensamento que, mesmo que eu não consiga ver nada de bom a respeito da situação no momento, isso não anula a verdade de Romanos 8:28.
Uma tática muito eficaz para neutralizar a chateação é dizer algo como, “Fulano de tal pisou no meu calo, mas deve ter sido um reflexo da minha atitude com ele, e essa dificuldade na convivência deve ser real para nós dois.” Poderíamos comparar isso ao uso de uma lanterna para determinar em que direção seguir na falta de luz natural. A lanterna não ilumina tanto quanto a luz do sol, mas com ela certamente não vamos ficar tateando no escuro. E já descobri que se eu insistir no uso da luz artificial, em breve a minha percepção natural daquele caminho anteriormente sombrio se torna mais positiva.
Esse princípio tem funcionado comigo não só quando eu sou a vítima, mas também quando sou o vilão. Na verdade, tenho alcançado as maiores vitórias quando percebo o lobo debaixo da minha pele de ovelha e reconheço tanto a necessidade de ser perdoado como a de perdoar.
Alexander Solzhenitsyn compartilhou esse mesmo pensamento por ocasião do seu retorno à Rússia depois de um longo exílio. Ele viajou pelo país todo, tendo contato com muita gente que partilhava da ideologia dos responsáveis pelo seu exílio. Os seus colaboradores criticaram essa atitude e não aprovaram o seu contato com esse tipo de pessoa. Solzhenitsyn disse, “A questão não é apenas a perfídia cometida por indivíduos maus e a necessidade de separá-los do resto de nós e destruí-los. Mas a linha que separa o bem do mal passa diretamente pelo coração do ser humano, e quem vai querer destruir um pedaço do seu próprio coração?”
Tenho percebido cada vez mais a complexidade e a grande quantidade de detalhes relacionados ao viver avida. Devo admitir a minha atitude bastante simplista na avaliação de diferentes questões, e aceitar a realidade de que, no momento, falta-me conhecimento suficiente para julgar retamente diferentes situações. Mas, por outro lado, isso tem colaborado para eu entender melhor pessoas e situações.
Talvez pudesse comparar à maneira como a nossa visão periférica fica mais dinâmica que a visão central em um ambiente pouco iluminado. Pode ser que eu consiga entender muito mais se afrouxar um pouco a maneira como interpreto pessoas e situações por meio da minha limitada percepção, e apoiar-me mais na verdade que conheço sobre elas com base na Palavra de Deus.
Na maioria das corridas das quais participo, geralmente tem alguns deficientes visuais. Apoiando-se na sua capacidade visual, esses atletas jamais conseguiriam acompanhar o ritmo, pois se locomoveriam como o típico cego, batendo a bengala no chão. Mas cada um desses deficientes visuais está conectado por meio de uma pulseira e uma tira de uns 30 cm, ao pulso de um corredor. E eles correm lado a lado, para o segundo direcionar o deficiente -- e tudo funciona otimamente bem.
“Se alguém acha que sabe todas as respostas, está apenas mostrando sua própria ignorância. Aquele, porém que verdadeiramente ama a Deus, esse está em condições de receber o conhecimento vindo de Deus. De igual modo, agora só podemos ver e compreender um pouquinho a respeito de Deus, como se estivéssemos observando seu reflexo num espelho muito ruim; mas o dia chegará quando O veremos integralmente, face a face. Tudo quanto sei agora é obscuro e confuso, mas depois verei tudo com clareza, tão claramente como Deus está vendo agora mesmo o interior do meu coração!”[4]
“Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser, mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é.”[5]
Tradução Hebe Rondon Flandoli. Revisão Tiago Sant’Ana.
[1] http://michaelhyatt.com/we-are-what-we-remember.html.
[2] Gênesis 50:20 Nova Versão Internacional.
[3] Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito.
(NVI).
[4] 1 Coríntios 8:2–3; 13:12 Novo Testamento Vivo.
[5] 1 João 3:2 NVI.
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