Tinha que ser uma Criancinha
Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça.--João 7:24 RC
Éramos a única família com criança no restaurante. Coloquei Erik na cadeira alta e reparei que todos estavam quietos comendo. De repente, Erik soltou um gritinho de alegria e disse: “Oi!”, batendo as mãozinhas rechonchudas na travessa da cadeira. De olhos arregalados ele demonstrava excitação e abriu um sorriso banguela. Remexia-se e sorria todo feliz.
Olhei ao redor e vi porque ele estava tão feliz. Ele estava olhando para um homem com um casaco encardido, rasgado e bem gasto, com calças um pouco grandes para ele e o zíper fechado só até à metade – e nem vou falar do sapato, dava ver a ponta dos dedos. A camisa era suja e o cabelo despenteado e sujo também. As pestanas estavam tão compridas que pareciam uma barba curta, e o nariz tinha tantos vasinhos arrebentados que parecia um mapa rodoviário.
Estávamos longe demais dele para sentir o cheiro, mas tenho certeza que devia ser ruim. Ele acenou animadamente para Erik. “Olá bebezinho; olá rapazinho. Tô te vendo, meu chapa”, ele disse para Erik. Meu marido e eu nos entreolhamos sem saber o que fazer.
Erik continuou rindo e dizendo, “Oi, oi, oi.” Todos no restaurante repararam a situação e olharam para nós, depois para o homem. Aquele velho esquisito estava criando uma situação inconveniente com o meu lindo bebezinho.
O nosso pedido chegou e o homem começou a gritar lá do outro lado do salão, “Você sabe brincar de esconde-esconde? Você conhece a musiquinha pirulito que bate bate? Olha, ele sabe brincar de esconde-esconde, está escondendo o rosto.” Ninguém estava achando graça no velho, obviamente bêbado. Meu marido e eu nos sentíamos constrangidos. Comemos em silêncio, exceto o Erik, que desfilou todo o seu repertório de palavras para o mendigo, que impressionado, respondia à sua tagarelice tão bonitinha.
Acabamos a refeição e meu marido foi pagar e disse para nos encontrarmos no estacionamento. O velho estava entre eu e a porta, então orei, “Senhor, que a gente possa sair sem ele falar comigo ou com o Erik.”
Quando me aproximei da porta virei um pouco de lado para não ter que respirar o ar que ele estaria exalando. Erik, porém, se estendeu e esticou os braços como que pedindo para ser pego no colo.
Antes de eu poder evitar, Erik pulou dos meus braços para o colo do homem.
De repente, um velho fedorento e um bebezinho estavam se abraçando felizes. Erik, materializando confiança, amor e submissão, recostou a cabecinha nos ombros do maltrapilho. Este último fechou os olhos e vi as lágrimas começando a escorrer. Suas mãos velhas e encardidas, obviamente acostumadas ao trabalho duro faziam carinho nas costas do meu bebezinho enquanto o aninhava afetuosamente.
Nunca vi dois seres humanos se amarem de forma tão profunda por um tempo tão breve.
Fiquei impressionada. O velho balançou Erik nos seus braços por um momento, depois abriu os olhos e me encarou, ordenando: “Cuide bem deste bebê.”
A muito custo eu respondi, “Vou cuidar.”
Ele afastou Erik do seu peito dolorosamente, com um olhar nostálgico, como se não desejasse fazer isso. Peguei o meu bebê e o homem disse: “Deus a abençoe. Você acabou de me dar um presente de Natal.”
Não falei nada, apenas murmurei um muito obrigada e fui rápido para o carro. O meu marido perguntou por que eu estava chorando e apertando tanto o Erik, e dizendo, “Meu Deus, me perdoe, por favor.”
Eu tinha acabado de testemunhar o amor de Cristo manifestado por meio da inocência de uma criancinha que não enxergava pecado e nem julgava, uma criança que viu a alma da pessoa, enquanto a mãe ficou reparando na maneira como a pessoa estava vestida. Eu era uma cristã cega que tinha no colo uma criancinha com uma visão extraordinária. Foi como se Deus me perguntasse, “Você está disposta a compartilhar o seu filho por um momento?” -- sendo que Ele compartilhou o dEle por toda a eternidade.
O homem maltrapilho, sem perceber, tinha reiterado para mim que “a menos que um homem se converta e seja como um menino, não pode entrar no reino dos céus.”[1]
Publicado no Âncora em dezembro de 2012. Tradução Hebe Rondon Flandoli.
[1] Anônimo, http://god-bless-you.org/?p=1522
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