Os Discípulos de Jesus
Peter Amsterdam
Os Evangelhos relatam que Jesus, em algum momento, mudou-Se de Nazaré, Sua cidade, para estabelecer residência em Cafarnaum.[1] Cafarnaum era uma cidade localizada no litoral noroeste do Mar da Galileia ao longo da estrada que ligava a costa da Palestina a Damasco. A mudança de Nazaré, uma remota aldeia nos montes, para Cafarnaum, uma populosa cidade lacustre, deixou Jesus mais próximo das prósperas vilas localizadas às margens do Lago Genesaré. Isso lhe facilitava falar, ensinar e ministrar para uma maior variedade de pessoas, já que as cidades judaicas de Corazim, Betsaida e Magdala não ficavam distantes.
Foi em Cafarnaum que Jesus curou a filha de Jairo; um homem possesso por um demônio; a sogra de Pedro; um paralítico; o servo do centurião, e a mulher com uma hemorragia.[2] No Evangelho segundo Mateus, lemos que Jesus contou várias parábolas nesse lugar, que ensinou sobre humildade, pedras de tropeço e perdão.[3] Ensinou na sinagoga local, onde disse aos Seus seguidores que se não comessem Sua carne nem bebessem Seu sangue, não teriam vida neles — o que fez que muitos parassem de segui-lO.[4]
Em Cafarnaum moravam vários discípulos de Jesus e foi onde decidiram segui-lO. Os três Evangelhos sinóticos relatam os eventos em torno das decisões de Pedro, André, Tiago e João de se tornarem seguidores de Jesus. O Evangelho segundo João relata um encontro que André e Pedro tiveram com Jesus na região onde João Batista batizava. É possível que o escritor esteja descrevendo um encontro anterior ou pode ter sido a maneira de João dar um exemplo de como alguns discípulos de Jesus passaram a segui-lO. A meu ver, foi um encontro anterior, pois explica como eles imediatamente deixaram suas profissões ao serem chamados por Jesus. Como já conheciam Jesus e tinham tido alguma experiência com Ele, é mais plausível que tenham prontamente reagido ao Seu chamado do que se um perfeito estranho aparecesse e lhes dissesse para segui-lo.
O Evangelho segundo Mateus conta assim esta história:
Andando Jesus junto ao mar da Galileia, viu dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, os quais lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes Jesus: Vinde após Mim, e Eu vos farei pescadores de homens. Imediatamente eles deixaram as redes, e o seguiram. Indo um pouco mais longe, viu outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão. Estavam num barco em companhia de seu pai Zebedeu, consertando as redes. Jesus os chamou, e eles, deixando o barco e seu pai, imediatamente O seguiram.[5]
Foi assim que Jesus começou a chamar muitas pessoas para segui-lO. A maneira como Ele fazia isso tinha algumas similaridades com a forma como os professores judeus (rabis) tinham estudantes (chamados talmidim) que muitas vezes viajavam com seus professores, viviam com eles e os imitavam. Aprendiam não apenas com o que o mestre lhes dizia, mas também com as ações deste. Os seguidores deviam se tornar tão parecidos com o professor quanto possível.[6] Depois que os talmidim escolhiam um mestre, aprofundavam-se no estudo da lei e na sua interpretação da lei.
Paralelamente às semelhanças entre os estudantes judeus típicos e os discípulos de Jesus, havia muitas diferenças. Os estudantes judeus buscavam seu professor, não eram escolhidos por ele. Jesus chamou Seus discípulos. Eles não O procuraram nem Lhe pediram se podiam aprender com Ele.
A meta de Jesus para Seus discípulos não era que aprendessem e divulgassem Seus ensinamentos da Lei como os rabis judeus. O chamado feito por Jesus era para um processo de transformação. Como vieram a Ele, aprenderam com Ele e permaneceram à Sua presença, com o tempo se tornaram pescadores de homens, o que seria uma mudança radical da atividade de pescadores à qual se dedicavam.
O chamado de Jesus não era isento de consequências. Atender ao “Venham e sigam-Me” de Jesus implicava em deixar algumas coisas para trás —redes, barcos, negócios, sustento e, no caso de Tiago e João, o pai. Havia nisso consequências econômicas. Aqueles homens não eram pobres, eles participavam do negócio de suas famílias. Os custos de ser um de Seus seguidores não eram apenas financeiros. Além de abrir mão de sua fonte de receita, Tiago e João deixaram o pai.
Em outras partes nos Evangelhos, vemos claramente que os discípulos se mantiveram conectados aos seus familiares e, até certo ponto, aos negócios da família. Jesus e Seus discípulos voltavam a Cafarnaum regularmente.[7] Pedro vivia em uma casa com sua esposa e sogra.[8] O apóstolo Paulo escreveu que as esposas de Pedro e de outros apóstolos os acompanhavam em suas viagens.[9] A mãe de Tiago e João estava envolvida no ministério de Jesus e presente em Sua crucificação.[10]
Mesmo tendo permanecido conectados à suas famílias, os discípulos tiveram uma importante mudança de estilo de vida. A atenção deles estava voltada a se tornarem parte da comunidade de Jesus, a serem ensinados por Ele, a ajudá-lO em Seu ministério e a aprender a se tornarem pescadores de homens. Passavam boa parte do tempo longe de seus familiares, viajando pela Galileia com Jesus durante os anos de Seu ministério.
Apesar de não sabermos exatamente quantos discípulos seguiram Jesus durante a Sua vida, lemos no Evangelho segundo Lucas: “Depois disso o Senhor designou outros setenta e dois e os enviou dois a dois, adiante dele, a todas as cidades e lugares para onde ele estava prestes a ir.”[11] Sabemos, portanto, que foram no mínimo setenta e dois discípulos.
Posteriormente, nos relatos do Evangelho, vemos que havia também mulheres que O seguiam.[12] O seguinte nos é dito sobre a crucificação de Jesus: “Algumas mulheres olhavam de longe. Entre elas estavam Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, o menor, e de José, e Salomé. Na Galileia estas mulheres O tinham seguido e servido. Estavam ali também muitas outras mulheres que tinham subido com Ele para Jerusalém.[13]
Durante o Seu ministério, Jesus escolheu e nomeou apóstolos doze de Seus discípulos. [14] Os doze apóstolos eram os que estavam com Jesus desde os primeiros estágios do Seu ministério; discípulos que estavam constantemente com Ele, observando, escutando e aprendendo. Muitas vezes, não entendiam o significado do que Jesus ensinava e o que viam e, de uma maneira geral, o papel do Messias como os judeus típicos do primeiro século, o que os levava a muitos mal-entendidos. Com o tempo, graças ao paciente ensino de Jesus e à convivência com Ele, passaram a entender melhor, como mostra a passagem a seguir:
Perguntou-lhes Ele: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” Simão Pedro respondeu: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.” Respondeu-lhe Jesus: “Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, pois não foi carne e sangue quem to revelou, mas meu Pai que está nos céus.”[15]
Apesar de não entenderem, então, plenamente, quem Jesus era, ou o sentido de tudo que ensinava, as explicações que Ele lhes deu das Escrituras após a Sua ressurreição permitiu que adquirissem entendimento completo. E “Ele lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras”.[16] Depois de serem preenchidos com o Espírito Santo, aqueles homens pregaram as boas novas do perdão de pecados e reconciliação com Deus. Apesar de a maioria dos discípulos ter sido martirizada por isso, levaram a cabo a missão que Jesus lhes confiara: “Portanto, ide e fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que Eu vos tenho mandado.”[17]
Por sermos discípulos, seguidores de Jesus, temos a mesma incumbência: “Ide por todo o mundo, e pregai o Evangelho a toda criatura.”[18] A exemplo dos primeiros seguidores, talvez não entendamos completamente tudo sobre Deus, Jesus, teologia, etc.; mas, na qualidade de discípulos, sabemos mais que o suficiente para fazer o melhor a nosso alcance para amá-lO, viver para Ele, aplicar Seus ensinamentos e trazer outros para Ele.
Apesar de Jesus ter tido muitos outros discípulos, os evangelistas parecem não terem visto a necessidade de contarem a história de como cada um conheceu e passou a seguir Jesus. Nos exemplos específicos sobre os quais lemos, vemos as respostas imediatas dos por Ele chamados e a mudança radical que isso trouxe às suas vidas. Concluímos, portanto, que ser um seguidor de Jesus envolve mais do que apenas uma aceitação no coração, mas demanda compromisso. Por suas ações, esses primeiros discípulos deram o exemplo de discipulado, da disposição a fazer os sacrifícios necessários para seguir Jesus. Ao mudarem suas prioridades imprimiram novo propósito às suas vidas. Não mais serviam aos seus próprios interesses, mas passaram a se devotar aos dAquele que os chamara para ser Seus seguidores. Isso era uma constante na vida de todos os discípulos que O seguiram durante Seu tempo entre os homens.
Jesus não chamou esses homens apenas para crerem, mas para agirem — segui-lO e permitir que lhes transformasse em “pescadores de gente”, transformadores de corações e vidas. A vocação para o serviço de Deus, para seguir Jesus não se limitou àqueles que O acompanharam há dois mil anos. Ele emite o mesmo chamado aos crentes hoje. A questão é: Vamos atender ao chamado? Estamos dispostos a nos orientarmos, nossas vidas, ações e corações a Ele? Estamos dispostos a aplicar Seus ensinamentos em nossas vidas diárias? Estamos pescando os que O buscam? Se formos discípulos, a resposta a estas perguntas é afirmativa.
Publicado originalmente em abril de 2015. Adaptado e republicado em fevereiro de 2021.
[1] Mateus 4:13; Marcos 2:1.
[2] Marcos 5:21–43; 1:21–28; Mateus 8:14–15; 9:2–8; 8:5-13.
[3] Mateus 13, 18.
[4] João 6:56–66.
[5] Mateus 4:18–22.
[6] Ann Spangler and Lois Tverberg, Sitting at the Feet of Rabbi Jesus (Grand Rapids: Zondervan, 2009), 51.
[7] Mateus 8:1–5; 17:24.
[8] Mateus 8:14–15.
[9] 1 Coríntios 9:5.
[10] Mateus 20:20–21.
[11] Lucas 10:1.
[12] Lucas 8:1–3.
[13] Marcos 15:40–41.
[14] Lucas 6:12–16.
[15] Mateus 16:15–17.
[16] Lucas 24:45.
[17] Mateus 28:19–20.
[18] Marcos 16:15.
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