O Juiz Injusto
Peter Amsterdam
A Parábola do Juiz Iníquo, muitas vezes chamada de A História da Viúva Importuna, ensina sobre a oração. Alguns dizem que a narrativa é “gêmea” de outra, conhecida como Amigo Importuno, por conta das várias semelhanças entre as duas. Tradicionalmente, ambas são vistas principalmente como lições sobre a importância da persistência na oração. A parábola do juiz iníquo fala sobre a oração, mas, quando analisamos com mais atenção, vemos que Jesus também nos falava de como Deus age quando se trata de ouvir e atender nossas orações.
Vamos começar por entender as duas personagens da história.
O juiz
O juiz na parábola não é um homem honrado. Segundo a descrição de Jesus, trata-se de alguém que não teme a Deus nem respeita os outros. Não aceita a autoridade de Deus nem dá muita atenção às opiniões das pessoas.[1] Por isso, as pessoas não podem apelar a ele dizendo: “Pelo amor de Deus, julgue em meu favor”, pois o homem não teme a Deus nem se importa com o que se pense dele. Não tem senso de honra e nenhuma vergonha. A argumentação “atenda a esta viúva em necessidade” não tem nenhum efeito nele.
Jesus usa o caso extremo do juiz iníquo, um homem sem escrúpulos e sem nenhum constrangimento de seus atos diante da comunidade, a ponto de a viúva, uma das pessoas mais vulneráveis em Israel, correr grande risco de não receber dele um parecer justo.
A viúva
As viúvas, na Palestina do primeiro século e em todo o Antigo Testamento estavam sujeitas às situações mais vulneráveis. Eram consideradas um símbolo do inocente, do impotente e do oprimido. As Escrituras admoestam que essas mulheres não devem ser maltratadas e, se forem, Deus ouvirá seu clamor, pois é o protetor das viúvas.[2] “Pai de órfãos e juiz de viúvas é Deus no seu santo lugar.”[3] Seu caráter de vulnerável foi expresso por Jesus quando falou dos escribas que devoravam as casas das viúvas, uma forma de dizer que praticavam alguma forma de exploração financeira.[4]
Como a viúva está trazendo seu caso diante do juiz e não a um tribunal, poderia dizer respeito a alguma questão financeira, uma dívida que ela tinha a receber ou para solicitar uma parte da herança que lhe fora retida.[5] O fato de ela procurar um juiz indica que provavelmente não tinha filho, irmão ou outro homem da sua família que falasse por ela, pois se houvesse parentes do sexo masculino, eles provavelmente teriam se apresentado ao juiz em seu nome.
Pelo contexto da história, entende-se que ela tinha razão, e está buscando o que lhe cabe por direito. Os discípulos, a quem a parábola foi contada originalmente, entendiam que a mulher era uma desvalida, sem recursos nem ninguém que a defendesse. Sua única defesa era a perseverança. Eles certamente reconheceram que a atitude da mulher era atípica. Na condição de viúva, esperava-se que se comportasse como uma vítima desamparada, mas, em vez disso, invade o mundo dos homens, apresenta-se diante do juiz e, quando rejeitada, persiste.
A parábola
Lucas, o evangelista, faz uma introdução na qual salienta o contexto da narrativa: “[Jesus] Contou-lhes ainda uma parábola para mostrar a necessidade de orar sempre, sem jamais esmorecer.” Ele disse: “Havia numa cidade um juiz que não temia a Deus e não tinha consideração para com os homens. Nessa mesma cidade, existia uma viúva que vinha a ele, dizendo: ‘Faz-me justiça contra o meu adversário.’”[6]
O que temos é uma viúva desprotegida, mas, mesmo assim, muito valente, vindo diante do juiz iníquo. Ela lhe pede para avaliar seu caso, para lhe fazer justiça contra seu adversário. Ela já havia retornado várias vezes e em todas elas fora rejeitada e nenhuma ajuda lhe fora dada.
“Durante muito tempo ele se recusou. Depois pensou consigo mesmo: ‘Embora eu não tema a Deus, nem respeite os homens, contudo, já que essa viúva está me dando fastio, vou fazer-lhe justiça, para que não venha por fim esbofetear-me.’”[7]
Ficou claro para o magistrado que ela não tinha intenção de parar de clamar por justiça. Ele admite que não se importa com Deus nem com a opinião dos homens, mas não quer ser constantemente incomodado por aquela mulher. Portanto, ele decide lhe conceder justiça, não por bondade ou compaixão, nem mesmo porque seria a coisa certa a fazer. Toma essa decisão por estar cansado e aborrecido da insistência da viúva.
Por conta da persistência da viúva, um comportamento atípico nesse tipo de situação, e de suas incessantes demandas por justiça, o juiz decidiu em seu favor. Quando chega à conclusão que a mulher jamais desistirá, ele cede.
Jesus chega então ao que está tentando ensinar: “E disse o Senhor: Escutai o que diz esse juiz iníquo. E Deus não faria justiça a seus eleitos que clamam a ele dia e noite, mesmo que os faça esperar?’”[8]
Jesus destaca o que disse o juiz e dá Sua mensagem: nossas orações não são ouvidas por um juiz injusto que só visa os próprios interesses, e atende aos pedidos da viúva por motivos egoístas. Nós levamos nossas petições ao nosso Pai, que nos ama e atende aos clamores dos que O buscam em oração.
A parábola fala da necessidade de orar e não desfalecer caso nossas orações não sejam atendidas imediatamente. A perseverança na oração é uma lição da parábola, mas não é a única.
Lucas inclui a história logo após o discurso de Jesus sobre a volta do Filho do Homem. “Então disse aos discípulos: “Dias virão em que desejareis ver um dos dias do Filho do homem, mas não o vereis.’”[9]
Jesus diz aos Seus discípulos que chegaria o tempo em que desejariam ver o dia da Sua volta, mas não o veriam. Ele então dá uma explicação de como será antes da Sua vinda, fazendo para isso uma comparação com a situação dos dias anteriores ao Dilúvio e com os tempos de Ló, pouco antes do juízo deflagrado contra o lugar onde este vivia. O povo comia e bebia; comprava e vendia; plantava e construía, até que, de repente, vieram os castigos. Os crentes vão desejar ver o Filho do Homem, mas a vida continua. Contudo, quando o dia chegar, o juízo será rápido.[10]
Depois disso, no primeiro versículo, Lucas começa a contar a história sobre o juiz e a viúva. O contexto da parábola é a esperança ainda não realizada da vinda do Filho do Homem. A essência da sua mensagem é que não deveríamos nos deixar abater na espera dos cumprimentos das promessas de Deus, mas, enquanto esperamos, devemos continuar a orar em fé, sabendo que Deus não deixará de nos responder. Como disse Jesus: “E Deus não faria justiça a seus eleitos que clamam a ele dia e noite, mesmo que os faça esperar?”[11]
No contexto da volta do Filho do Homem, Deus fará justiça aos Seus, no momento que para isso escolher. E enquanto esperamos, nossa responsabilidade é orar e confiar, sem desistir, desfalecer ou perder as forças, outra definição da palavra grega traduzida como “esmorecer”.
Então Jesus diz: “Digo-vos que lhes fará justiça muito em breve.” Deus atenderá às orações de Seus filhos, que ao longo das eras clamam por justiça, com a volta de Jesus. Quando Ele vier, a justiça será feita rapidamente.
Então Jesus faz uma pergunta bastante séria: “Mas quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?”[12] É algo a pensar. Quando Jesus voltar, encontrará gente de fé, que perseverou, que confiou e acreditou? Encontrará cristãos ainda fiéis a Ele?
Jesus contou essa parábola aos Seus discípulos antes de chegarem a Jerusalém, pouco antes de ser preso, julgado e crucificado. Seus seguidores estavam prestes a passar por tempos perigosos e Jesus lhes estava dizendo para orarem e não esmorecerem.
Ao longo das eras, os cristãos ansiaram por ver o retorno de Jesus, a volta do Filho do Homem. Jesus está dizendo que isso acontecerá. Deus fará justiça aos seus Eleitos, aos que clamam a Ele dia e noite e, quando isso acontecer, o juízo será rápido.
Jesus perguntou se, quando Ele voltar, encontrará fé na terra, demonstrando entender que somos humanos e que nossa fé é testada em momentos de tribulação. Ao relacionar este fato à oração, está dizendo que a nossa capacidade de perseverar na fé está vinculada à nossa constância em oração e em colocar nossa fé em Deus.
Devemos ser persistentes em nossas vidas de oração. Devemos ser tenazes, determinados em orar, orar regularmente e continuar a orar em fé, mesmo quando não recebemos a resposta rapidamente. Assim como a mulher que veio com toda ousadia diante do juiz, devemos nos apresentar confiantes diante do Senhor em oração.
Ao mesmo tempo, Jesus advertiu aos Seus discípulos para não serem como os gentios que usam “vãs repetições [...], que pensam que por muito falar serão ouvidos” ou como os escribas que hipocritamente “fazem longas orações”.[13] Jesus não busca orações longas nem repetitivas. O importante é que nossas orações sejam uma comunicação sincera com nosso Pai que nos ama.
A ideia de persistir em oração não é cansar Deus de tanto pedir. Devemos trazer nossos pedidos a Ele com fé e confiança, certos de que Ele nos ama como um pai ama seu filho e que nos dará o que pedirmos que seja bom para nós e que esteja em conformidade com Sua vontade. Dito isso, é importante que se entenda que a persistência na oração não é garantia de que Deus fará exatamente o que nós estamos pedindo.
Não devemos perder a fé se nossas orações não forem atendidas imediatamente. Somos instruídos a não esmorecer. Jesus nos diz para seguir em fé e confiança sabendo que Deus é um juiz justo, generoso e um pai amoroso que nos atenderá segundo a Sua vontade em Seu tempo.
Mas talvez o mais importante a lembrar é que Deus ama cada um de nós como filhos. Ele Se importa conosco. Ele quer sempre o que é melhor para nós. Podemos e devemos ir a Ele em oração com fé, confiança, humildade e amor por aquele que nos ama com Seu amor eterno.
Publicado originalmente em janeiro de 2014. Adaptado e republicado em março de 2021.
[1] Kenneth E. Bailey, Jesus Through Middle Eastern Eyes (Downers Grove: InterVarsity Press, 2008), 263.
[2] Êxodo 22:22–23.
[3] Salmo 68:5.
[4] Lucas 20:47.
[5] Joachim Jeremias, Rediscovering the Parables (New York: Charles Scribner’s Sons, 1966), 122.
[6] Lucas 18:1–3.
[7] Lucas 18:4–5.
[8] Lucas 18:6–7.
[9] Lucas 17:22.
[10] Lucas 17:26–30.
[11] Lucas 18:7.
[12] Lucas 18:8.
[13] Mateus 6:7; Marcos 12:40.
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