Milagre da Véspera de Natal
Alda McDonald Strebel
Ainda consigo ouvir a voz mansa da minha mãe ao contar o milagre da Véspera de Natal. A experiência era sagrada para mamãe; ela só contava em ocasiões especiais, tais como a noite em que meu amor pediu minha mão em casamento.
A história começou com um dia frio de outono em outubro de 1928. Um celeiro enorme atrás da nossa casa na cidade de Heber, no norte de Utah, estava cheio até o teto com feno fresco, e o sótão cheio de risos de alegria e gritos de crianças brincando. Eu estava entre elas, sem saber da tragédia que estava para acontecer. Descobri uma pilha de feno muito convidativa e estava prestes a escorregar. De repente, me vi descendo direto por uma calha. Ao descer fui de encontro com um chão de cimento e para uma manjedoura no fundo do celeiro.
Ainda me lembro da sensação surpreendente de recobrar a consciência, e a frustração horrível de não conseguir chorar. Meus irmãos correram para o meu pai. Como seus braços fortes e robustos eram um consolo tão grande quando ele me levantou da manjedoura pesada cheia de feno e me levou para dentro de casa. Ele me colocou gentilmente na minha cama.
Vários dias depois, minha dor de cabeça ainda não havia passado. Meu estado ficou ainda mais complicado quando peguei um resfriado muito forte; até hoje eu me lembro do pesadelo da febre que o acompanhou. Depois, naquela mesma tarde, quando o médico fez sua ronda de rotina, ele balançou a cabeça ao ler o termômetro, e minha mãe sabia que era hora de agir. Ela mandou chamar o meu pai, e nos preparamos para partir para Provo, a sessenta quilômetros de distância, onde eu poderia ser hospitalizada. Os vizinhos e parentes se juntaram para oferecer assistência e nos assegurar que meus quatro irmãos pequenos seriam bem cuidados.
A jornada pelas estradas sinuosas no Provo Canyon foi longa e árdua, visto que meu pai forçou a passagem de seu Ford Modelo T através de rebanhos de ovelhas na estrada. Chegamos ao hospital tarde naquela noite.
A dor no meu ouvido esquerdo era muito forte, e depois de mais dois dias de febre alta, os médicos operaram e descobriram uma infecção mastoide bem enraizada. Mas desta vez havia entrado na minha corrente sanguínea. Na semana seguinte os cirurgiões foram compelidos a operar o meu braço esquerdo, e na semana seguinte a minha perna direita. Durante sete longas semanas eu passei por várias operações e todas as dificuldades que elas representam.
Três dias antes do Natal, os médicos chamaram meu pai ao seu escritório e lhe disseram que tinham muito pouca esperança de eu vir a me recuperar. Sabendo como eu queria estar com meus irmãos em casa, meus pais resolveram me levar para passar o Natal em casa. Eles alugaram um caminhão para me levar até o trem (havia apenas uns poucos caminhões em toda a cidade) e me colocaram lá dentro em uma maca. Os funcionários do hospital me deram no corredor uma linda boneca vestida de rosa, com um suéter e um boné tecidos à mão. Abracei aquela boneca bem apertado contra o meu corpo debaixo dos cobertores, e quando saí para respirar o ar fresco da noite, fiquei histericamente feliz. Pensei que estava deixando todo aquele pesadelo de hospital para trás.
O caminhão seguiu caminho e foi até o terminal lentamente. Nós subimos, o maquinista colocou uma pá cheia de carvão no forno bojudo no vagão, e o trem começou sua jornada de três horas para casa. O pó calmante que o médico havia administrado antes de sairmos do hospital começou a fazer efeito, e dormi a maior parte do caminho. Quando o trem parou, meu pai foi até a porta do vagão e então abaixou-se sorrindo na minha frente.
“Você não vai acreditar na multidão que está lá fora para nos dar as boas vindas,” disse. “Minha nossa, parece até que tem uma celebridade para saltar deste trem.” E voltou a rir ao colocar um gorro quentinho na minha cabeça. Minha mãe ajeitou a coberta embaixo do meu queixo, e levantaram minha maca e a levaram até o trenó do tio Dode. Os sininhos do trenó soavam quando os cavalos se dirigiam à Rua Central pelo caminho macio, coberto de gelo.
Quando chegamos na esquina do tabernáculo, o trenó parou com um alegre “Whoa”. No meio da rua principal havia uma árvore de Natal enorme, enfeitada com luzes elétricas, as primeiras que eu jamais havia visto. Como brilhavam com tantas cores! As crianças da minha turma do primário estavam embaixo da árvore, me dando as boas vindas com a letra sagrada da canção “Noite Feliz”. Com toda a fé e mansidão de uma criança, senti o amor de nosso Salvador no coração de muitas pessoas gentis. As lágrimas da minha mãe se misturavam aos fofos flocos de neve que caíam no seu rosto.
Pouco depois, na porta da frente da nossa casa, minha mãe ria e chorava ao mesmo tempo ao abraçar seus quatro filhinhos. Sete semanas sem uma mãe parecia uma eternidade para eles. E então eles foram à frente e me levaram todos empolgados até o meu quarto, que tinham decoração com correntes de papel vermelho e verde. Um sino enorme feito de um material vermelho estava pendurado do único globo de luz do quarto. “Olha só, os anõezinhos do Natal passaram por aqui!” Exclamou minha mãe abraçando os meninos outra vez.
Mas quando todo o cansaço da viagem bateu, percebi que a dor e o sofrimento não haviam acabado. Na véspera de Natal minha situação era crítica, e os médicos disseram aos meus pais que eu tinha pouca chance de sobreviver àquela noite. Os anciãos da igreja ministraram a mim, e pela primeira vez meus pais tiveram coragem de dizer, “Seja feita a Tua vontade.”
Depois da bênção, uma paz especial caiu sobre toda a nossa casa. Meus pais foram até a sala de estar com os quarto meninos e os ajudaram a pendurar suas meias de Natal. Depois colocaram cada um na cama, assegurando-lhes de que Papai Noel estava à caminho.
Sabendo que ia precisar de forças para o que haveria pela frente, minha mãe foi convencida a ir descansar no quarto lá de cima. Eu amava ouvi-la contar de quando deitou-se na calmaria da noite e da paz que veio sobre ela quando caiu em sono profundo. Ela acordou, assustada, assim que a manhã de Natal despontou. Voltou-se para a porta do meu quarto com uma oração silenciosa nos lábios. Meu pai havia acabado de sair, com o rosto cansado banhado em um sorriso de alívio. Um milagre havia acontecido. Eu tinha tido a força para sobreviver àquela noite, e minha mãe conseguia até ver um pequeno brilho em meus olhos cansados.
“Papai Noel já passou por aqui?” perguntei.
“Pode apostar que sim,” ela respondeu chorando, com lágrimas rolando pelo seu rosto. “Parece que ele acabou de passar pela nossa sala e todos os brinquedos caíram de seu saco.”
“Mas o presente mais precioso de todos,” dizia a minha mãe sempre que recontava esta história, “foi o presente que o Salvador nos deu naquela santa Véspera de Natal.”
Apesar da enfermidade ter me deixado com uma deficiência física—uma perna ficou muito mais curta do que a outra—tenho tido o privilégio de levar uma vida ativa. Em 1977, antes de falecer, meu marido, Dr. George L. Strebel, e eu servimos na Europa, onde ele foi o coordenador dos seminários e institutos de fala inglesa. Eu agora tenho quatro filhos felizmente casados e quinze lindos netos.
Há quatro anos fiz uma cirurgia de todo o quadril—foram acrescentados 10 centímetros à minha perna. Agora ando sem muletas e manco muito pouco. Minha perna está cada vez melhor—uma prestação moderna do milagre que começou naquela Véspera de Natal.
Publicado originalmente em dezembro de 1997 quando Alda McDonald Strebel (1913–2008) era professora aposentada.
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