Eu não Estou Cansado

Novembro 13, 2013

Curtis Peter van Gorder

Não estou cansado. Só morto fica cansado.
Quero forças para continuar meu trabalho.
Por acaso o morto pode encorajar?
É impossível, mas o vivo pode.
A vida é breve, por que se lamentar?
Olhar pra trás nos tira da rota.
Majek Fashek[1]

Todos nós, às vezes, quando as coisas ficam difíceis nos cansamos da luta. Mas eu estava pensando qual seria a maneira de nos desvencilharmos dessa espiral descendente.

Durante uma recente viagem à Capadócia, na Turquia[2], um amigo tocou pra mim “I’m Not Tired” (Eu não Estou Cansado). A letra dessa música me deu um insight a respeito desse assunto e me ajudou a fazer uma conexão entre as diferentes experiências que tive no país com a fé. Fiquei impressionado com a diferença no povo que já habitou este país, entre aqueles com a tendência de desistir facilmente e os mais flexíveis e ao mesmo tempo resistentes.

Qualquer pessoa que visite a Capadócia pode confirmar que é um lugar fantástico e muito diferente de tudo. As formações vulcânicas erguem-se como gigantescas espirais contorcendo-se em esculturas de formas inimagináveis. Profundos cânions são cortados por cursos d’água criando uma paisagem monumental para 400 igrejas escavadas nas colinas da região. Aqui já habitaram diferentes povos, começando com os hititas, há milênios. Talvez a presença mais marcante tenha sido dos cristãos que aqui viveram em comunidades por muitos anos.

Visitamos uma das maiores dentre as 40 cidades subterrâneas onde os primeiros cristãos se refugiaram nos três primeiros séculos fugindo da perseguição romana, e mais tarde dos invasores árabes. Essas cidades são uma proeza da engenharia e chegaram a abrigar dez mil pessoas. Foram construídas em oito níveis, com cozinhas comunitárias, salões de reunião, sistema de ventilação, poços, silos para grãos, quartos, adegas e até estábulos para os cavalos.

Sentinelas nas colinas nas redondezas usavam espelhos para refletir a luz do sol e enviar sinal de invasores para o posto seguinte. Túneis subterrâneos, imensas placas redondas de pedra podiam ser movidas e encaixadas nas aberturas para protegê-los dos invasores. Foram cavados orifícios estratégicos por onde derramavam óleo quente ou faziam chover setas sobre os atacantes. Era uma vida comunitária e difícil, em comunidade, com base em uma fé vibrante, caso contrário não sobreviveriam.

É um lugar que inspira admiração e também contemplação. Serve de exemplo máximo de espírito indomável diante de perseguição. Os primeiros cristãos não desistiam, mesmo sendo perseguidos, presos, condenados e executados. Teria sido fácil eles justificarem uma rendição por conta de estarem “cansados de fugir da ira de Roma. Ah, vamos nos acomodar na sociedade e desistir desta fé. É muito trabalhoso persistir.” Nada disso, muitos deles fugiram para esta região na Capadócia, onde não só sobreviveram, mas prosperaram. Eles inclusive fundaram uma escola missionária que enviava professores para muitos campos distantes.

Um dos líderes na ocasião, Basil, disse o seguinte: “Problemas geralmente são vassouras e pás que servem para aplainar o caminho de um homem bom rumo à boa sorte. Muitos esbravejam contra a chuva sem saber que ela gera abundância para alimentar os famintos.” Basil e esta comunidade sabiam bem o que era passar fome. A maneira como eles sobreviveram foi ajudando-se mutuamente na hora de necessidade. Eu li o conselho dele em uma das placas: “Se existe fome na terra, dê metade da sua comida para alguém e confie no Senhor para a sua situação e a da outra pessoa.”

O legado desses primeiros cristãos permanece. Vimos milhares de turistas de muitos países visitando as igrejas e sendo informados sobre o modo de vida dos cristãos e sua fé. A narrativa em cada grupo era feita por guias na língua das pessoas. Havia painéis pintados nas paredes ilustrando diversas histórias da Bíblia. Fez-me lembrar dos versículos em Atos capítulo 2, que diz “vindos de todas as nações do mundo... ouvimos declarar as maravilhas de Deus em nossa própria língua”.[3] Às vezes Deus fala por meio da linguagem universal da arte e do local. Em uma das igrejas que visitamos eu vi uma senhora do Japão, um país que outrora perseguiu violentamente os cristãos, parar para orar.

Sentados em uma capela onde os assentos eram entalhados nas pedras, era possível contemplar um mural retratando a ressurreição de Cristo. Aproveitando a ótima acústica do local, cantamos hinos e citamos versículos que tínhamos memorizado do capítulo 1 de João. “No princípio era aquele que é a Palavra.  Ele estava com Deus, e era Deus.”[4] Os que aqui adoraram antes de nós provavelmente citaram esses mesmos versículos dois mil anos atrás, o que me fez pensar que cada geração precisa renovar a sua fé. A fé não pode ser limitada a ou preservada em igrejas cravadas nas pedras ou em murais pintados em paredes que certamente vão deteriorar. Ela deve ser fervorosa e desenvolver-se no nosso íntimo hoje. Jesus lembrou-nos oque “o céu e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão.”[5] Ele disse à mulher ao lado do poço que o mais importante não era o local onde se adorava, mas sim adorar a Ele em espírito e em verdade.[6]

É fácil desistir da luta e parar de nadar quando as águas começam a nos encobrir. Eu já li histórias de pessoas que estavam quase se afogando e ouviram uma voz tentando convencê-las a parar de se debater e simplesmente afundar — momentos antes de serem salvas. Se elas tivessem seguido pelo “caminho fácil”, não teriam sobrevivido. Mas resistiram, lutaram, e viveram para contar a história e fortalecer a fé de outras pessoas.

Talvez este fosse um bom momento para terminar com uma oração: “Senhor, eu não quero ficar cansado, me aposentar ou cair no lamaçal da letargia que não me levará a lugar alguém. Dê-me forças e inspiração para perseverar na luta e manter a minha fé viva. Como você disse: “Se tiverem fé do tamanho de um grão de mostarda, poderão dizer a este monte: ‘Vá daqui para lá’, e ele irá”’[7]— ou quem sabe iremos morar no monte se for preciso. Por favor, dê-nos esse tipo de fé, além do pão de cada dia. Perdoe-nos nossos erros assim como perdoamos aos outros, e não nos deixe sucumbir à tentação de desistir. Você é o mais importante, pois Seu é o reino, o poder e a glória para todo o sempre.”

Todo o sempre é muito tempo. Mas começa hoje, e o primeiro passo é não desistir, mas sim nos apoiarmos na força do Senhor para chegarmos lá. “Tudo posso em Cristo que me fortalece”.[8] “E não nos cansemos de fazer o bem, pois no tempo próprio colheremos, se não desanimarmos.”[9]


[1] Do reggae “I’m Not Tired” de Majek Fashek.

[2] A Capadócia é uma região história na Anatólia central, na Turquia. O nome sempre foi usado por fontes cristãs, e continua sendo usado bastante para turismo de conceito para definir uma região rica em beleza natural, com as chaminés de fada e uma herança  cultural e histórica inigualáveis. (Trechos de http://en.wikipedia.org/wiki/Cappadocia)

[3] Atos 2:5, 11.

[4] João 1:1. Os versículos neste artigo são da NVI da Bíblia.

[5] Lucas 21:33.

[6] João 4:23–24.

[7] Mateus 17:20.

[8] Filipenses 4:13.

[9] Gálatas 6:9.

 

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