Cruz ou Coroa?

Julho 31, 2013

Steve Hearts

Quem não conhece o chamado de Jesus para tomar a sua cruz e seguir a Ele?[1] Para mim, a cruz sempre foi um símbolo do nosso serviço a Ele. Mas recentemente comecei a ver essa passagem sob outro ângulo, o que, devo dizer, “arregalou os meus olhos”.

Existem diferentes tipos de cruzes. O serviço de Deus sem dúvida é um deles. Mas algumas pessoas, como eu, foram criadas com aparentes deficiências ou incapacidades. Outras sofrem de doenças crônicas ou têm problemas de saúde que lhes parecem incuráveis, apesar de suas orações e da intercessão de outros. Às vezes podemos questionar quando estamos passando por isso, e ficar com sentimento de culpa se não virmos a possibilidade de uma cura milagrosa, mas por outro lado podemos escolher louvar a Deus pela situação e aceitar a Sua vontade, fazendo o possível por avançar o Seu reino na terra.

Esta última opção com certeza exige rendição e submissão, duas virtudes preciosas, mas um grande desafio. Mas com a ajuda do Senhor, essa foi a minha escolha. E nunca me arrependi, pois pouco a pouco passei a entender a minha deficiência visual como uma verdadeira bênção disfarçada, um tesouro valioso envolto em algo não muito atraente para o ser humano. Depois que escolhi ver além da aparente dificuldade e inconveniência, e ver o bom fruto na minha vida e daqueles para quem ministrei, comecei a perceber apenas um tesouro de valor inestimável a serviço de Deus. A situação mudou, ou foi a minha perspectiva que passou por uma transformação total?  Não importa, pois eu não me considero mais um “sofredor”.

Você pergunta se acredito que Deus tem o poder e a habilidade para devolver-me a visão? Sem dúvida! Ele não curou cegos não só nos tempos bíblicos, mas continua curando até hoje. No entanto, Ele deixou claro e confirmou pela boca de várias testemunhas que a minha cegueira seria parte da minha missão neste mundo. Um tempo atrás, refletindo no chamado de Jesus para pegarmos a nossa cruz e O seguirmos, Ele falou claramente comigo: “Cada um carrega uma cruz, e a sua é o dom da deficiência visual.”

Em muitos sentidos, a minha deficiência se transformou em um dom. Eu perdi a conta das vezes em que as pessoas me disseram: “Eu tenho mania de reclamar das minhas dificuldades e inconveniências, mas quando vejo você eu sempre fico com vergonha da minha atitude.” Apesar de ter ouvido isso muitas vezes, não significa que nunca tenha me queixado. Mas quando o faço, o Espírito Santo sempre me dá um cutucão e me faz lembrar de todas as ocasiões em que encorajei as pessoas a louvarem a Deus por todas as coisas.

São incontáveis as situações nas quais Deus manifestou o Seu amor e encorajamento por meu intermédio, para a Sua glória. Por que então haveria eu de me preocupar pensando se devo receber a minha visão nesta vida? No final das contas, o que é mais importante, que minhas vontades se realizem ou que se concretize o plano de Deus para a minha vida?

Quando pequeno, eu orei bastante para recuperar a visão. Desde então, muitos já oraram por mim impondo as mãos, em línguas, e até para ser libertado do domínio de demônios. Eu não desprezo nem rejeito as orações feitas para eu conseguir enxergar. No entanto, concordo plenamente com a declaração de Joni Eareckson Tada no seu livro A Place of Healing. Ela diz: “Deus Se reserva o direito de curar ou não, de acordo com o que Ele acha melhor.” (Eu definitivamente recomendo a leitura desse livro após este artigo.)

Em 1 Pedro 4:19 lemos: “Por isso mesmo, aqueles que sofrem de acordo com a vontade de Deus devem confiar sua vida ao seu fiel Criador e praticar o bem.”

A minha atitude em relação ao “dom” da deficiência visual que recebi é fortemente apoiado pelas Palavras de Paulo em 2 Coríntios 12:7–10: “Para impedir que eu me exaltasse por causa da grandeza dessas revelações, foi-me dado um espinho na carne, um mensageiro de Satanás, para me atormentar. Três vezes roguei ao Senhor que o tirasse de mim. Mas ele me disse: "Minha graça é suficiente a você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza". Portanto, eu me gloriarei ainda mais alegremente em minhas fraquezas, para que o poder de Cristo repouse em mim. Por isso, por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias. Pois quando sou fraco é que sou forte.”

Certa vez dei uma pequena palestra sobre esse assunto em uma reunião de jovens. Contei o testemunho de como Deus preservou a minha vida desde o nascimento e falei do meu trabalho missionário em diversos países. Um pastor de jovens na plateia havia se apresentado por meio de uma fervorosa oração para eu conseguir enxergar. Quando terminei a palestra, ele se aproximou e disse que o meu testemunho o fez chorar. “Eu nunca vi alguém com uma atitude tão positiva em relação à sua deficiência”, ele me disse. Outros disseram que se sentiram motivados a fazer mais pelo Senhor. A minha única reação foi de louvor ao Senhor.

Uma outra razão por que achei desnecessário me preocupar se conseguiria enxergar ou não nesta vida, é porque eu sei que na próxima vida com certeza terei a visão perfeita. Em 2 Coríntios 4:17 Paulo diz: “Pois os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles.” A vida na terra é temporária. Se Deus achar melhor oque eu continue assim para ser mais útil para Ele, e se Ele pode garantir que terei plena visão na próxima vida, por que haveria eu de reclamar da minha sina?

Conta-se a história de um soldado que sofria de uma doença degenerativa. Por isso, sabendo que não teria muito tempo de vida, ele lutava com todas as suas forças no campo de batalha. Certo dia, ele foi curado, graças aos cuidados de bons médicos. A partir de então, ele começou a ficar longe do campo de batalha na tentativa de se proteger, em vez de arriscar sua vida. Quando ouvi essa história pela primeira vez, eu disse ao Senhor: “Se Você achar por bem manter-me cego para eu poder continuar sendo um soldado útil no Seu exército, assim seja.”

Ao entender a minha deficiência visual como um dom, eu deixe de considerá-la uma cruz que precisava carregar. Ver o fruto que tem dado para a glória de Deus enquanto divulgo a Sua mensagem o máximo possível, mudou a minha perspectiva. Percebi que essa deficiência é uma gloriosa coroa que eu tenho o privilégio de usar. Apesar de saber que ganharei uma coroa na próxima vida, com certeza terei em grande estima a coroa da deficiência visual enquanto estiver de posse dela. Como diz o ditado: “Aquele que carrega a cruz usará a coroa.”

Tradução Hebe Rondon Flandoli.


[1] Ver Mateus 16:24.

 

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