Agosto 12, 2024
[The Pharisee and the Tax Collector]
A parábola do fariseu e do publicano de impostos é contada apenas no Livro de Lucas, no capítulo 18. A parábola trata, entre outras coisas, do elemento básico da salvação, através da comparação dos dois personagens. Comecemos analisando ambos.
O fariseu: Os fariseus eram membros da sociedade judaica que cultivavam crenças muito fortes no que diz respeito às leis de Moisés e às tradições que receberam “dos pais”. Essas tradições não eram parte das leis de Moisés, mas eram tratadas com a mesma importância pelos fariseus. O termo fariseu significa “separado”.
Os fariseus se esforçavam para observar a lei de Moisés, especialmente as que tinham a ver com o dízimo e com a purificação. Muitos judeus não aderiam às leis de purificação com respeito ao consumo de alimentos, ao seu preparo e à higienização das mãos, motivo pelo qual os fariseus eram muito seletivos no tocante às pessoas com quem comiam, para não se tornarem impuros do ponto de vista do ritual religioso. Alguns censuravam Jesus por comer com os pecadores e desdenhavam Seus discípulos por não lavarem as mãos antes de comer. (Marcos 7:5) Também criticaram Jesus várias vezes por violar as leis do sábado (Lucas 13:14; João 5:16).
Os fariseus eram conhecidos por serem excessivamente zelosos nos assuntos religiosos. A lei escrita previa o jejum apenas uma vez por ano, no Dia da Expiação, mas alguns fariseus jejuavam duas vezes por semana, e impunham a si mesmos atos de piedade. Davam dízimos sobre tudo que adquiriam — mais do que a lei exigia.
A maioria dos judeus não aderia à lei mosaica tão categoricamente, motivo pelo qual, na época de Jesus, consideravam os fariseus pessoas muito justas e devotas.
O publicano: Havia três tipos de impostos exigidos pelos romanos que governavam Israel no tempo de Jesus: o imposto sobre a terra, o imposto per capita e o sistema de impostos alfandegários. Esses impostos eram usados para o pagamento de tributos a Roma, que havia conquistado Israel em 63 a.C.
O publicano, cobrador de impostos na parábola, provavelmente estava mais vinculado aos impostos alfandegários. Em todo o Império Romano, havia um sistema de cobrança de impostos em portos, praças alfandegárias e entradas das cidades. As alíquotas variavam de dois a cinco por cento do valor das mercadorias transportadas entre as cidades. O valor das mercadorias era determinado pelo cobrador de impostos. Havia algumas medidas de controle, mas eles muitas vezes superavaliavam as mercadorias para aumentar sua margem de lucro. Os contribuintes consideravam a prática um roubo institucional.
Quando os publicanos vieram a João Batista para serem batizados e perguntaram o que deveriam fazer, receberam a seguinte instrução: “Não cobrem nada além do que lhes foi estipulado” (Lucas 3:13)—o que indica que estariam cobrando acima do devido, para benefício próprio.
Os publicanos eram vistos como extorsionários e injustos, e do ponto de vista religioso, eram considerados impuros e, consequentemente, suas casas e qualquer casa em que entrassem, também. Os cobradores de impostos eram odiados e muitas vezes classificados na mesma categoria de pecadores e prostitutas (Mateus 21:32) e eram evitados pelas pessoas respeitáveis. O personagem nesta parábola certamente não era uma pessoa bem vista. Era um canalha e sabia disso, como evidenciaram seu comportamento no templo e sua oração.
A parábola: A parábola começa da seguinte forma: Jesus disse esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: (Lucas 18:9).
Com essa introdução, Lucas explica que a história diz respeito aos que acham que podem alcançar a justiça por seus próprios méritos. Jesus direciona a parábola aos que confiam neles mesmos, que se julgam justos e que consideram os demais inferiores e não merecedores de respeito.
A parábola continua: “Dois homens subiram ao templo para orar, um era fariseu e o outro, publicano” (Lucas 18:10). As expressões “subiram” e “desceram”, usadas aqui, se referem à elevação no Monte do Templo, nível mais alto na cidade.
Era habitual fazer duas orações por dia, uma pela manhã e outra à tarde quando eram oferecidos no templo os sacrifícios diários. Os que estavam ouvindo Jesus contar a parábola supuseram que o fariseu e o publicano tinham subido ao templo para participar da cerimônia do sacrifício expiatório diário e orar.
“O fariseu, em pé, orava no íntimo: ‘Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: ladrões, corruptos, adúlteros; nem mesmo como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho” (Lucas 18: 11,12)
O fariseu estava de pé sozinho quando orou, separado de todos os outros adoradores. Se suas roupas tocassem alguém que estivesse impuro, o fariseu também ficaria impuro. E como os fariseus eram muito meticulosos quando se tratava de pureza e santidade, isso precisava ser evitado. Orava de pé olhando para cima, como era costume dos judeus na oração.
Também tinham o hábito de orar em voz alta, para aumentar a possibilidade de outros ouvirem sua oração. Podia acontecer de sua oração ser também uma “pregação”, ou seja, a pessoa ora de maneira a pregar um sermão aos outros em vez de verdadeiramente falar com o Senhor.
Ele não confessa nenhum pecado, não agradece a Deus por nenhuma bênção, não pede nada para si nem para os outros. Ele parece destacar para os outros como são maus, mostra desprezo por eles e alardeia sua própria integridade e obediência à lei. Compara-se aos outros e destaca sua consciência religiosa como muito superior às dos demais.
Jejua duas vezes por semana, ou seja, 104 vezes ao ano e não apenas uma, como exige a lei. Da mesma forma, apesar de a lei determinar que se deem os dízimos referentes aos animais criados abrigados, ele dá o dízimo sobre tudo que adquire, para o caso de a pessoa que lhe vendeu seja o que for não tenha dados os dízimos como deveria.
O fariseu não é um hipócrita. Ele certamente evita os pecados que relaciona, jejua e oferece dízimos mais que o exigido. Mas é cheio de si e presunçoso. Desdenha os que não observam a lei como ele, despreza-os e agradece a Deus por “não ser como eles”. Considera-se o epítome da integridade e, os que ouviam a narração de Jesus provavelmente tinham a mesma opinião com respeito àquele fariseu.
O comportamento e a oração do publicano são completamente diferentes: “Mas o publicano ficou à distância. Ele nem ousava olhar para o céu, mas batendo no peito, dizia: Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador!” (Lucas 18:13).
O homem permanece afastado dos outros por um motivo totalmente contrário – por ser pecador e reconhecer isso. Não eleva os olhos para o céu porque sente-se indigno. Extorque dinheiro dos outros e cobra mais do que deveria. É desonesto. Não sente que merece estar entre o povo de Deus ou que seja digno de falar com Ele. Bate no próprio peito, sobre o coração, e ora: “Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador”.
A palavra grega usada neste versículo para “tem misericórdia” significa fazer propiciação. O publicano pedia propiciação, uma reparação pelos seus pecados. Seu clamor não é por misericórdia em geral, mas por reparação, por perdão pelos seus pecados.
Kenneth Bailey descreve lindamente a situação do cobrador de impostos:
É quase possível sentir o aroma intenso do incenso, ouvir o som dos címbalos e ver a grande nuvem da densa fumaça que ascende da oferta sendo queimada. Lá está o publicano. Permanece distante dos demais, desejando não ser visto, certo da sua indignidade de dividir o espaço com os demais. Contrito, anseia por ser parte de tudo aquilo. Deseja poder ser, e estar com “os justos”. Em profundo remorso, soca o próprio peito e clama em arrependimento e esperança: “‘Ó, Deus! Concede-me este pedido: faz por mim, este pecador, reparação!’” Naquela hora, no templo, aquele homem humilde reconhece seu pecado e falta de valor, não vê nenhum mérito próprio que lhe permita qualquer elogio. Ele anseia pelo grande sacrifício de reparação, para que possa se candidatar ao perdão.1
E vemos que dá certo, pela maneira que Jesus conclui a história: “Eu lhes digo que este homem, e não o outro, foi para casa justificado diante de Deus. Pois quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lucas 18:14).
O desfecho teria causado surpresa nos ouvintes de então. O fariseu era visto como justo, respeitável e que não apenas obedecia a lei, mas fazia mais que ela previa. O publicano, por outro lado, era considerado o pecador. Era odiado e desprezado por todo mundo e por boa razão. De maneira alguma ele seria visto como justo.
Contudo, quem Jesus disse que foi para casa justificado, ou seja, tornado justo? —Aquele que sabe que é um pecador, humilha-se, entende que nenhuma quantidade de obras pode verdadeiramente salvá-lo, que busca Deus verdadeiramente arrependido e desejoso da Sua misericórdia, perdão e salvação.
No que diz respeito à graça salvadora de Deus, a pessoa que humildemente reconhece sua necessidade de Deus é quem recebe a salvação. Os que se salvarão não são os que têm uma opinião exaltada de si mesmos, que confiam em suas boas obras e religiosidade para se salvarem. Não me entenda mal. Realizar boas obras e ajudar os outros é bom, mas não é isso que conta para a salvação. Não é possível fazer por merecer a salvação ou o perdão pelos seus pecados. A salvação é simplesmente uma linda dádiva que Deus nos oferece.
Apesar de esta parábola falar da necessidade de humildade diante de Deus em oração, e advertir contra a presunção com respeito às suas próprias obras e ao desdém com relação aos demais, e a uma atitude de superioridade, ela é principalmente uma mensagem sobre a graça de Deus. Ensina que nossas obras não nos salvarão, mas que a graça de Deus, sim. Deus criou uma forma para nós, pecadores, sermos perdoados e termos um relacionamento com Ele, por causa do Seu grande amor, misericórdia e graça.
Jesus está dizendo aos Seus ouvintes que é pelo amor e graça de Deus que as pessoas são justificadas e nossos pecados são perdoados, um conceito que o Apóstolo Paulo explicou da seguinte forma: “Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2:8,9).
A lição principal da parábola é que a salvação se dá pela graça, não pelas obras. Entretanto, há mais que podemos aprender com a história:
A parábola revela que Deus não Se deixa impressionar por religiosidade ou atitudes de superioridade. Pelo contrário, Ele é um Deus de misericórdia que atende às necessidades, às orações sinceras e ao arrependimento das pessoas. Como diz em Isaías 66:2: “A este eu estimo: ao humilde e contrito de espírito, que treme diante da minha palavra”.
Presunção, orgulho, uma opinião elevada de si próprio e o desprezo pelos outros indicam uma atitude discordante da maneira como Deus vê as pessoas. Uma maneira efetiva de corrigir uma visão inflada de si mesmo é se comparar com a grandeza e a perfeição de Deus, em vez de se medir pelos supostos defeitos e pecados alheios.
Deus é um Deus de amor e misericórdia. Ama a humanidade e criou uma maneira para, pela morte de Jesus, sermos salvos. Está determinado a salvar todos, inclusive os que, aos olhos do mundo, são os piores pecadores, como é o caso do publicano nesta parábola.
Nós, cristãos, somos chamados a fazer tudo ao nosso alcance para viver de forma a demonstrar o amor, a misericórdia e a compreensão que nosso amoroso Salvador mostrou por nós. E então compartilhar a maravilhosa mensagem de que para conhecer Deus basta simplesmente aceitar a dádiva da salvação por graça, que Ele oferece.
Publicado originalmente em junho de 2013. Adaptado e republicado em agosto de 2024.
1 Kenneth E. Bailey, Poet & Peasant, and Through Peasant Eyes, combined edition (Grand Rapids: Eerdmans, 1985), 154.
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