Um Amigo à Meia-Noite

Julho 17, 2024

Por Peter Amsterdam

[The Friend at Midnight]

Encontramos nos Evangelhos alguns ensinamentos essenciais sobre a oração tanto pelos exemplos das orações feitas por Jesus quanto pelo que ensinou sobre o tema. O terceiro Evangelho, escrito por Lucas, agrupa alguns desses ensinos no capítulo 11. Começa com Jesus orando e, ao terminar, Seus discípulos Lhe pedem que lhes ensine a orar. Foi quando lhes apresentou a Oração do Senhor, mais comumente conhecida como “Pai Nosso”.

Com relação a esse tema, “ensina-nos a orar”, lemos em Lucas a parábola do “Amigo à meia-noite”, uma narrativa curta seguida de um ditame ou poema sobre o mesmo tema. Vejamos a parábola.

Jesus disse ainda: — Se um de vocês tiver um amigo e for procurá-lo à meia-noite, dizendo: "Amigo, me empreste três pães, porque outro amigo meu chegou de viagem e eu não tenho nada para lhe oferecer"; e se o outro lhe responder lá de dentro: "Deixe-me em paz! A porta já está fechada, e eu e os meus filhos já estamos deitados. Não posso me levantar para lhe dar os pães", digo a vocês que, se ele não se levantar para dar esses pães por ser seu amigo, ele o fará por causa do incômodo e lhe dará tudo de que tiver necessidade. (Lucas 11:5-8).

Jesus começa a parábola com uma longa pergunta retórica, a qual praticamente qualquer judeu do primeiro século responderia: “Ninguém faria isso!” Sua pergunta era: “Pode imaginar um vizinho aparecer à sua casa para pedir pão para alimentar um visitante inesperado, e você dizer: ‘As crianças estão dormindo e a porta está fechada. Não posso ajudá-lo’?”

A resposta é: de jeito nenhum. Hospitalidade na Palestina do primeiro século era um princípio profundamente arraigado. Em uma vila, a hospitalidade não era uma obrigação apenas do indivíduo, mas também da comunidade. Considerava-se que uma visita a alguém de uma vila era também um visitante de toda a comunidade. Nesse caso, o homem que estava dormindo tinha o dever, por mais inconveniente que fosse, de sair da cama para ajudar o vizinho com os três pães que havia lhe pedido.

Nenhum dos ouvintes de Jesus se recusaria sair da cama, a hora que fosse, para ajudar um vizinho em necessidade. Todos sabiam da importância de se demonstrar hospitalidade a um visitante. Ninguém usaria como desculpa o fato de os filhos estarem dormindo e a porta trancada. Jesus sabia disso e todos que ali estavam também e, como veremos, é um dos principais recados da parábola.

Quando o amigo diz, “Um meu amigo chegou de viagem a minha casa, e não tenho o que lhe apresentar”, não significava necessariamente que ele estava sem comida em casa. Ao fim da parábola, Jesus diz que homem que estava dormindo se levantaria e daria ao vizinho o que este necessitasse. É possível, portanto, que isso signifique mais que pão.

Quanto à preocupação do homem em não acordar seus filhos: as casas dos camponeses naquela época consistiam de um único cômodo e toda a família dormia em esteiras no chão. Levantar-se da cama, pegar o pão e destrancar a casa provavelmente acordaria toda a família. Entretanto, diante de uma solicitação legítima, como a obrigação de alguém de servir adequadamente um visitante, tal inconveniência seria tolerada.

A parábola começou com a pergunta: “Qual de vocês…” os ouvintes certamente pensaram “Ninguém”. Jesus, então verbaliza a resposta. Ele diz que mesmo que o homem não se levante para dar ao vizinho pão por ser um amigo, o fará por causa da importunação do vizinho.

Os estudiosos da Bíblia debatem o significado da palavra grega anaideia, traduzida como importunação em várias versões da Bíblia e como insistência em outras. Por ser o único lugar na Bíblia em que a palavra é usada e pela forma como é empregada, há algumas dificuldades para interpretar a história. A definição de anaideia é desavergonhamento ou petulância, o que não é exatamente o mesmo que persistência ou importunação.

Quando procuramos definições para desavergonhamento e petulância, encontramos termos tais como atrevimento; atitude ou ato de quem não considera os limites dos direitos de outrem, abusa de confiança, manifesta desrespeito, desdém por alguém ou algo. Com isto em mente, em vez de entendermos que o vizinho que pede pão é persistente, devemos vê-lo como alguém disposto a arriscar ser inconveniente quando há uma boa razão, como alguém que tem a certeza de que apesar de que despertar o vizinho possa parecer rude, seu pedido será acatado. O homem está pedindo sem pudor, com ousadia.

Quando visto à luz do pedido inicial dos discípulos para que Jesus lhes ensinasse a orar, a história nos encoraja a orar com ousadia, a vir sem vergonha diante de Deus, quando formos pleitear por nossas necessidades.

Uma técnica de ensino usada pelos rabinos judeus era ensinar do menor para o maior, ou seja, se a conclusão se aplica a uma situação de menor importância, também se aplicará a uma de maior importância. Jesus usou esse método ao contar essa parábola. Se o homem se levantaria para atender ao pedido do vizinho em necessidade, quanto mais Deus atenderá às nossas orações, quando Lhe apresentamos nossos pedidos?

Essa história do cotidiano nos ensina que Deus atenderá à oração. Ele Se levantará, como fez o homem, e generosamente nos dará o que precisamos. Jesus tinha acabado de ensinar aos Seus discípulos a Oração do Senhor, que inclui as palavras “dá-nos cada dia o nosso pão cotidiano” e deu sequência com uma parábola em que alguém precisava pão, mostrando que devemos apresentar nossos pedidos a Deus com ousadia, certos de que Ele nos atenderá.

Jesus deixa a lição clara nos dois versículos seguintes: “Por isso, digo a vocês: Peçam e lhes será dado; busquem e acharão; batam, e a porta será aberta para vocês. Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra; e a quem bate, a porta será aberta” (Lucas 11:9-10).

Logo a seguir, vem a parábola das boas dádivas do Pai, que ensina mais sobre a oração. Essa história tem uma introdução similar à do “Amigo à meia-noite”. Começa com uma pergunta: “Quem de vocês, sendo pai, daria uma cobra ao filho que lhe pede um peixe? Ou daria um escorpião ao filho que lhe pede um ovo?” (Lucas :11-12).

A resposta óbvia é que pai nenhum faria tal coisa. Ninguém daria ao filho uma cobra em vez de um peixe, ou um escorpião no lugar de um ovo ou, como diz no Evangelho Mateus, uma pedra em vez de um pão. Isso estava claro para os ouvintes.

Jesus então conclui a parábola com as seguintes palavras: “Ora, se vocês, que são maus, sabem dar coisas boas aos seus filhos, quanto mais o Pai celeste dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem!” (Lucas 11:13). Mais uma vez, Jesus usa a técnica do menor para o maior. Se um pai terreno, mau em comparação com a perfeição de Deus Pai, dá boas coisas aos seus filhos, quanto mais Deus dará a grande dádiva do Espírito Santo aos que Lhe pedirem?”.

Se as crianças que pedem comida aos pais não vão receber algo que lhes faça mal, quanto mais podemos confiar que Deus, nosso Pai, infinitamente maior que todos os pais terrenos, nos dará boas coisas em resposta às nossas orações, inclusive Sua presença em nós por meio do Espírito Santo?

Conclusão, o capítulo 11 de Lucas esclarece vários princípios importantes da oração: quando oramos, precisamos vir diante de Deus com confiança, apresentando nossos pedidos com ousadia, na certeza de que se pedirmos, receberemos o que precisamos, e se batermos, as portas se abrirão.  Jesus também ensina que se podemos contar com o amor e desvelo da parte dos que cuidam de nós —nossos pais— para nos dar o pão de cada dia —comida e outras necessidades vitais— então podemos contar que Deus, nosso Pai celestial, fará o mesmo conosco e imensamente mais. Podemos vir confiantemente diante dEle, sabendo que Ele cuidará de nós.

Publicado originalmente em setembro de 2013. Adaptado e republicado em junho de 2024.

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