Lugar Comum

Agosto 24, 2022

William B. McGrath

[In the Commonplace]

Quando comecei no serviço missionário cristão aos 20 anos de idade, eu tinha um profundo desejo de encontrar um nicho notável e especial. Eu queria que o Senhor me usasse para algo especial, com o qual eu pudesse provar para mim mesmo e para os outros que realmente amava o Senhor e era extremamente dedicado. Eu desejava ter o que via nos outros: um grande talento para música, ou talvez um dom especial para desenho, ou talvez apenas o carisma de um líder e para inspirar os outros. Eu queria uma posição notável de responsabilidade ou um talento evidente para outros.

Minha batalha interior se prolongou quando parecia que isso não ia acontecer, pelo menos não tão cedo. Fiquei mais ciente de que não tinha nenhum daqueles dons e talentos que invejava nos outros. Mas, ao mesmo tempo, amava Jesus de coração e sempre acreditei em dar a Ele o melhor de mim. Demorei um tempo para aprender que podia estar perto do Senhor e encontrar grande realização sem ter nenhum daqueles dons vistosos que via nos outros, e que todos enfrentam seus próprios desafios, independentemente de seus dons ou chamados.

Deus vem a nós nos nossos sofrimentos, nas nossas faltas e na nossa fome espiritual, quando somos rejeitados, isolados ou sofremos alguma injustiça. “Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado e salva os contritos de espírito.”[1]

Lemos que os anjos vieram e ministraram a Jesus, e O fortaleceram quando Ele foi duramente tentado no deserto por 40 dias; e depois novamente, quando Ele estava no jardim do Getsêmani.[2] Vários outros relatos bíblicos retratam Deus ou Seus anjos aparecendo para as pessoas quando elas se encontram em uma grande dificuldade. O Senhor disse ao apóstolo Paulo que esse cuidado e fortalecimento especiais vindos do céu o sustentariam.[3] A graça de Deus tem sustentado muitos santos, e pode sustentar cada um de nós, e até mesmo tornar possível que nos sirvamos da alegria do Senhor em meio a nossas tristezas e dificuldades terrenas, e nos regozijemos sempre.[4] Nossa alegria profunda e duradoura não é temporária nem depende das circunstâncias, mas vem da luz do evangelho que brilha em nossos corações.[5]

Durante um tempo eu considerei as “bem-aventuranças” — sobre as quais o Senhor falou no início de Seu Sermão da Montanha — algo inalcançável.[6] Eu conseguia entender parcialmente ser abençoado por ser um pacificador, ou ter fome e sede de justiça. Mas ser pobre de espírito? Chorar? Sofrer perseguição? Ser injuriado? Ser manso e humilde diante da crueldade? Era tão contrário ao que outros haviam tentado inculcar em mim, tão contrário ao que meu próprio coração sussurrava e à narrativa da cultura deste mundo.

Os “abençoados” de quem Jesus fala, a graça que Ele apresenta nas bem-aventuranças, descrevem a vida celestial para a qual apenas começamos a ser moldados.

J. R. Miller escreve:

A mansidão não é uma graça fácil de ter. De fato, nenhuma graça vem com facilidade. É a vida celestial para a qual estamos sendo moldados, e nada menos que uma revolução moral e espiritual produzirá em nós as qualidades celestiais. O velho deve morrer para o novo poder viver. As graças espirituais não são meramente características  sociáveis da natureza humana treinados e cultivados até se tornarem gentileza e ternura —elas são transformações forjadas pelo Espírito de Deus.

Uma antiga profecia, em uma visão do reinado do Messias, retrata o lobo habitando com o cordeiro, o leopardo deitado com o cabrito, e o bezerro e o filhote de leão juntos. Independentemente do que digamos sobre o cumprimento literal desta profecia em termos da submissão e domesticação de animais ferozes, ela tem seu maior cumprimento na regeneração de uma alma humana, que é realizada por meio do Evangelho. O lobo existente no temperamento do ser humano é transformado em docilidade.

A mansidão cristã, por exemplo, é um lobo convertido. A natureza humana é rancorosa. Quando agredida, ela dá o troco. Quando injustiçada, exige reparação. “Olho por olho, dente por dente” é a sua lei. Não é natural alguém ser injuriado e aceitar pacientemente, ou se submeter sem amargura a um mau tratamento, ou perdoar os erros ou insultos recebidos sem alimentar rancores. [7]

Após anos esperando para compreender, pelo menos de forma mais abrangente, o significado das bem-aventuranças e do Sermão da Montanha, dois livros de preço acessível chegaram até mim pelo correio, e trouxeram a visão que eu buscava! The Master’s Blesseds, de J. R. Miller, e Studies in the Sermon on the Mount de Oswald Chambers.

É bom para nós estudarmos com atenção as bem-aventuranças proferidas pelo nosso Senhor durante a Sua vida aqui. Ficamos imediatamente impressionados com a simplicidade e falta de malícia. Elas são totalmente diferentes das “bem-aventuranças” da sociedade e diretamente contra as máximas que governam a sociedade humana e impulsionam as ambições humanas.[8]

Podemos esquecer como é forte a atração do mundo para nos conformarmos com sua maneira de pensar e ver as coisas, e como, de maneira sutil, deprecia o que o Senhor ensina em Sua Palavra. Somente permanecendo perto de Jesus podemos continuar emulando as qualidades do reino de Deus mencionadas por Ele.

Quando comecei a servir ao Senhor, passei horas tentando desenvolver meu talento artístico na esperança de me tornar um desenhista notável. Levou meses até eu perceber que isso simplesmente não ia acontecer. Em um determinado momento pensei que talvez pudesse desenvolver meu talento com o violão e me tornar uma “celebridade”. Investi muitas horas nessa atividade, até finalmente perceber que isso nunca iria acontecer.

Assim, aceitei o meu “lugar comum” e minhas obrigações e, com o passar dos anos, percebi que as desilusões da juventude serviram para me aproximar do Senhor e para conhecê-lO de uma forma mais profunda e gratificante. Aprendi que o serviço a Jesus está atrelado ao desenvolvimento de uma relação forte e íntima com Ele. Você não precisa ter talento ou posição notáveis. O pré-requisito para servir a Deus de maneira eficaz é simplesmente ter um grande amor por Jesus. No meu caso, Deus gentilmente me mostrou que as qualidades e os pontos fortes que um dia pensei que poderiam ser tão grandiosos não faziam parte do Seu plano para mim, para que sem isso eu pudesse então ser mais dependente dEle, estar mais em contato com Ele e desenvolver Suas virtudes.


[1] Salmo 34:18.

[2] Mateus 4:11, Lucas 22:43.

[3] 2 Coríntios 12:9.

[4] Filipenses 4:4, 1 Pedro 1:6, Colossenses 1:24.

[5] 2 Coríntios 4:6.

[6] Mateus 5:3–11.

[7] The Master's Blesseds: A Devotional Study of the Beatitudes, by J. R. Miller, 1905.

[8] Ibid.

 

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