O Bom Samaritano

Julho 16, 2020

Peter Amsterdam

[The Good Samaritan]

A Parábola do Bom Samaritano em Lucas 10:25–37 é muito conhecida. Entretanto, por vivermos em culturas muito diferentes da que prevalecia na Palestina do primeiro século, há aspectos da história com os quais talvez não nos identifiquemos. Quando ouvimos ou lemos essa parábola, ela não necessariamente nos choca nem desafia o status quo do mundo de hoje. Contudo, a história causou espanto aos seus primeiros ouvintes, ao contrariar suas expectativas e desafiar seus limites culturais.[1]

Encontram-se na parábola vários personagens. Vamos analisar cada um deles na ordem em que aparecem no relato.

A parábola nos fala muito pouco sobre o primeiro personagem, o homem que foi assaltado, mas dá uma informação crucial ao entendimento da história. Foram-lhe roubadas as roupas e ele foi deixado à morte. Ele estava deitado no chão, seriamente ferido e inconsciente.[2]

Isso é importante porque, no primeiro século, as pessoas eram facilmente identificadas pelas suas vestimentas, idioma ou sotaque. Como o homem que fora agredido estava sem roupas, era impossível identificar sua nacionalidade. Como estava inconsciente e, portanto, incapaz de se comunicar, não havia como saber a sua origem.

O segundo personagem na história é o sacerdote. Os sacerdotes judeus em Israel constituíam o clero e ministravam no templo em Jerusalém por uma semana por vez durante um período de 24 semanas. A história não dá detalhes sobre o sacerdote nesse relato, mas os presentes quando Jesus a contou provavelmente imaginaram que o religioso voltava para Jericó depois de passar uma semana ministrando no templo.

O terceiro personagem na parábola é o levita. Todos os sacerdotes eram levitas, mas nem todos os levitas eram sacerdotes. Eles eram considerados o baixo clero, e, como os sacerdotes, serviam duas semanas por ano, em duas ocasiões diferentes.

Os samaritanos viviam na região montanhosa de Samaria, localizada entre a Galileia, no Norte, e a Judeia, no Sul. Eles acreditavam nos primeiros cinco livros de Moisés e que Deus havia designado o Monte Gerizim como o lugar de adoração, não Jerusalém.

Em 128 a.C., o templo samaritano, construído sobre o Monte Gerizim foi destruído pelo exército judeu. No ano 6 ou 7 d.C., alguns samaritanos espalharam ossos humanos no templo judaico, profanando-o. Esses dois eventos são importantes fatores na profunda animosidade que existia entre os dois povos.

Nosso último personagem é o advogado. Apesar de não fazer parte da parábola, foi por causa das perguntas que fez a Jesus que a parábola foi contada. Nos tempos no Novo Testamento, os advogados eram o mesmo que um escriba. Eram especialistas em leis religiosas, intérpretes e professores das leis de Moisés. Examinavam as questões mais difíceis e sutis da lei e davam opiniões. A motivação daquele advogado ao questionar Jesus era, possivelmente, dar início a um debate desses, ou, talvez, estivesse genuinamente em uma busca espiritual.

A parábola

Agora que sabemos mais sobre os personagens, vejamos o que ocorreu quando Jesus foi questionado pelo advogado, conforme relata o capítulo 10 do Livro de Lucas, no versículo 25: “Certa ocasião, um perito na lei levantou-se para pôr Jesus à prova e lhe perguntou: “Mestre, o que preciso fazer para herdar a vida eterna?’” Como conseguir a vida eterna era uma questão debatida pelos estudiosos judeus do primeiro século, com ênfase à obediência da lei como meio para conquistar a vida eterna.

“O que está escrito na Lei?”, respondeu Jesus. “Como você a lê?” Ele [o advogado] respondeu: “Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todas as suas forças e de todo o seu entendimento” e “Ame o seu próximo como a si mesmo.’”[3]

Como os evangelhos deixam bem claro, era exatamente o que Jesus costumava pregar e, possivelmente, o advogado já ouvira Jesus ensinar que deveria-se praticar esses dois princípios: amar Deus de todo coração e seu próximo como a si mesmo. A próxima fala do advogado revela que ele quer saber o que tem de fazer, que obras, que ações são necessárias para sua justificação. Em outras palavras, para merecer a salvação. “Ele [o advogado], porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: “E quem é o meu próximo?’”[4]

O advogado quer saber a quem exatamente ele precisa amar. Compreende que seu próximo inclui “os filhos do seu próprio povo”, conforme o versículo em Levítico, ou seja, os outros judeus. Mas existiria mais alguém? Os gentios não eram vistos como “próximos”, apesar de Levítico 19:34 ensinar que, “Como o natural entre vós será o estrangeiro que peregrina convosco. Amá-lo-eis como a vós mesmos.” Por isso, para aquele estudioso, os “próximos” seriam os judeus de uma maneira geral e qualquer estrangeiro que vivesse na mesma cidade que eles. Outros não seriam, certamente, “próximos”, em particular os odiados samaritanos. Foi em resposta a essa pergunta —“Quem é meu próximo?”, que Jesus contou a parábola.

“Respondeu-lhe Jesus: Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos assaltantes, os quais o despojaram e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto.’”[5] Apesar de não ser possível identificar a nacionalidade do homem, pelo contexto e resultado da história, os que a ouviram em primeira mão muito provavelmente supuseram que o moribundo fosse judeu.

“Casualmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote que, vendo-o, passou de largo.”[6] É provável que o sacerdote estivesse retornando de uma de suas semanas de serviço no templo. Por causa do seu status, pode-se supor que montasse um burro, no qual poderia transportar o ferido até Jericó. O problema era que não havia como determinar quem era aquele homem nem sua nacionalidade, já que estava inconsciente e nu. O sacerdote estava sob o dever estipulado pela lei mosaica de ajudar outro judeu, mas não um estrangeiro. Além disso, o sacerdote não sabia se aquele homem estava ou não morto e, segundo a lei mosaica, tornava-se impuro do ponto de vista cerimonial quem tocasse ou se aproximasse de um cadáver. Por fim ele decidiu não socorrer o homem, passando pelo outro lado da estrada, para garantir uma distância adequada do desconhecido.

A parábola continua: “De igual modo também um levita chegou àquele lugar e, vendo-o, passou de largo.”[7] O levita, faz o mesmo que fizera o sacerdote: decide não ajudar.

O terceiro personagem da trama era um desprezado samaritano, um inimigo. E a questão só piora quando Jesus relata as coisas que o samaritano faz pela vítima de assalto, as quais o sacerdote e o levita, que serviam no templo, deveriam ter feito. “Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou perto dele, viu-o e moveu-se de compaixão. Aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho. Então pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele.”[8]

O samaritano, se compadece do homem à beira do caminho, enfaixa suas feridas, Em seguida, derrama sobre o pano vinho e óleo para desinfecção. O benfeitor também ergue o ferido, coloca-o sobre seu próprio animal e o leva para uma hospedaria em Jericó, presume-se. Foi o samaritano quem fez o que os outros dois não fizeram.

E não parou aí. Partindo no outro dia, tirou dois denários, deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele, e tudo o que de mais gastares com ele eu te pagarei quando voltar.’”[9] Dois denários eram o equivalente ao pagamento por dois dias de trabalho. A promessa do samaritano de voltar e pagar quaisquer despesas adicionais garantiu a segurança do assaltado e que continuaria recebendo cuidados durante esse período.

Ao terminar a história, Jesus perguntou ao especialista em leis: “Qual destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos assaltantes?” Ele disse: “O que usou de misericórdia para com ele.” Disse Jesus: “Vai, e faze da mesma maneira.”[10]

Quando o advogado perguntou, “Quem é meu próximo?” ele queria uma resposta categórica, preto no branco. Mas a resposta de Jesus não foi uma listinha do que o advogado teria a responsabilidade de amar ou considerar “próximos”, mas ensinou que o “seu próximo” é todo aquele que Deus coloca no seu caminho que tenha alguma necessidade.

Com essa parábola, Jesus estava deixando claro que seu (nosso) próximo é qualquer um que precise, independentemente de sua raça, religião ou posição na comunidade. A mensagem de Jesus tornou evidente não haver limites quando se trata por quem deveríamos ter amor e compaixão. A compaixão vai além das exigências da lei. Devemos inclusive amar nossos inimigos.

Os homens e as mulheres abatidos que cruzarem seu caminho talvez não estejam fisicamente à morte nem jogados à beira da estrada. Mas são muitos os que precisam sentir amor e compaixão, encontrar uma mão amiga, alguém que esteja disposto a escutar suas mágoas, que os faça sentir que, sim, são importantes, que se alguém importa com eles. E se Deus colocou você no caminho de alguém em necessidade, deve estar chamando você para ser o próximo dessa pessoa.

Jesus definiu o padrão de amor e compaixão nesta parábola e concluiu dizendo para mim e para você —os ouvintes de hoje— para irmos e fazermos o mesmo.

Publicado originalmente em maio de 2013. Adaptado e republicado em julho de 2020.


[1] Ao escrever este artigo, consultei extensivamente os excelentes livros de Kenneth E. Baily: Jesus Through Middle Eastern Eyes (Downers Grove: InterVarsity Press, 2008). Poet & Peasant, and Through Peasant Eyes, edição combinada (Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 1985).

[2] Lucas 10:30.

[3] Lucas 10:26–27.

[4] Lucas 10:29.

[5] Lucas 10:30.

[6] Lucas 10:31.

[7] Lucas 10:32.

[8] Lucas 10:33–34.

[9] Lucas 10:35.

[10] Lucas 10:36–37.

 

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