Novembro 30, 2016
Outro dia li uma passagem no livro dos Atos, na qual Paulo, no seu discurso de despedida à igreja de Éfeso, falava sobre viver com generosidade e trabalhar arduamente para certificar-se de sempre ter algo para dar aos pobres, e que mais abençoado é dar do que receber.[1] Mal sabia eu que seria testada nesses princípios poucas horas depois.
Eu estava com uma amiga desfrutando de uma tarde de Primavera muito agradável na varanda, tomando um suco gelado de fruta. Estávamos batendo papo sobre as realizações da semana e discutindo os planos para o mês seguinte. Antes de ela partir, minha amiga, que é assistente social em um bairro pobre, me falou de uma situação urgente com a qual havia se deparado recentemente.
“Mercy é órfã desde pequena, e agora, infelizmente, com apenas 25 anos, foi diagnosticada com câncer. Ela tem lavado roupa para fora para se sustentar, e na maioria dos meses não consegue ganhar o salário mínimo. Com falta de dinheiro para pagar um seguro saúde, ela agora está perdida e não tem como pagar o tratamento que precisa com urgência. Ela tem pedido a todos que podem ajudar, mas ainda assim lhe falta o dinheiro para os remédios.”
Com um olhar de expectativa nos olhos, minha amiga fez uma pausa e por um momento houve silêncio entre nós. Senti-me sob convicção de que devia ajudar, mas estávamos no fim do mês e eu tinha contas para pagar. Fiquei feliz quando o celular dela tocou e ela se ocupou com a chamada. Isto me deu um tempo para resolver o conflito que estava rapidamente se desenrolando no meu íntimo.
“Por que agora,” pensei comigo mesma.
À medida que contemplava a situação, minha mente falou mais alto: “Não chegamos ao máximo do que podemos dar este mês? E depois de pagar as contas, planejamos começar finalmente a poupar para algumas necessidades da nossa família maior.”
Minha consciência então entrou em cena: “Deus não supriu cada vez que você foi além de seus limites para dar a alguém em necessidade?”
Minha mente: “É verdade, mas acabamos de assumir o compromisso de começarmos a trabalhar num plano de poupança.”
Minha consciência: “Outro dia mesmo, você deu um sermão a uma colega sobre as maravilhas do ciclo da generosidade e como o vácuo criado ao se dar certamente é preenchido.”
Minha mente: “Eu lembro disso, mas era para encorajar alguém com sérias dificuldades em dar.”
Minha consciência entrou em cena novamente: “Por que não pensar nos princípios que Jesus ensinou, de ‘dê a todo que lhe pedir’ e como vocês querem que os outros lhe façam, façam também você a eles.’”[2]
Minha mente: “Tudo bem, mas eu preciso encontrar com urgência um equilíbrio entre dar e economizar.”
Minha consciência não ia desistir: “Vocês receberam de graça; deem também de graça, e se você der mesmo que seja um copo de água fria a alguém com sede, não perderá a sua recompensa.”[3]
Minha mente retrucou: “Não se trata de um copo d’água! Estamos falando de dinheiro, coisa da qual me está faltando no momento.”
Minha consciência: “Pense em outro princípio que Jesus ensinou: ‘Digo-lhes a verdade: o que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram.’”[4]
Respirei fundo, olhei para cima e mais uma vez minha amiga me olhava com expectativa nos olhos.
“Claro que posso ajudar. Afinal de contas, ainda há tempo até minhas contas vencerem,” disse tentando me consolar.
Minha consciência venceu, e com um sentimento inesperado de paz eu peguei da minha reserva financeira e dei o que era preciso, confiando que Deus iria realmente preencher o vácuo que eu havia criado.
Eu tinha já quase esquecido este incidente quando me deparei com um velho conhecido quando estava fazendo compras uns dois dias depois. Antes de partir, ele pegou um envelope selado dentro de sua bolsa e me deu dizendo, “Deus colocou no meu coração lhe dar isto depois de tudo o que você tem feito por mim. Tenho certeza que uma pessoa generosa como você vai saber usar bem isto.”
Quando cheguei em casa, encontrei uma quantia generosa de dinheiro naquele envelope, que fechou o ciclo de generosidade deste mês, com a parte recebida. E tinha até suficiente para separar um tanto para meu “pé de meia”.
Pensando um pouco mais sobre esta metáfora, percebi que quando o ciclo começa com o dar e termina com dar, para que ele funcione, precisa começar então com o receber, e tal como uma roda, ele não para, é bem redondo e completo.
Quando criamos um vácuo compartilhando e dando, isso não só atrai bênçãos financeiras para o ciclo mas também felicidade e um sentimento de realização. Fomenta amizades e camaradagem. Protege-nos da doença da possessão e nos ensina a arte do desapego, não só das coisas materiais, mas dos ressentimentos e do rancor também, que por sua vez cura o coração e coloca a mente em paz.
Pensando bem, manter o ciclo da generosidade vivo tem servido até para nos ajudar durante dificuldades econômicas, às vezes através de doações inesperadas, de um vizinho prestativo, um amigo que nos estende a mão, ou através de verdadeiro milagre da infinita provisão de Deus. E apesar de eu me vez por vezes chegando ao fim do barril, posso dizer com segurança, “Há maior felicidade em dar do que em receber.”[5]
[1] Ver Atos 20:32–35.
[2] Mateus 5:42; Lucas 6:30–31, NVI.
[3] Mateus 10:8, 42, NVI.
[4] Mateus 25:40, NVI.
[5] Atos 20:35, NVI.
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